Não é apenas o governo que está em julgamento. Decisões do Legislativo e do Judiciário também ajudam para abalar a popularidade do Estado brasileiro/Pablo Valadares (Câmara dos Deputados)
Muita gente acredita — e em alguns países do mundo isso até pode ser verdade — que o Estado existe para servir à sociedade. Dia após dia, no entanto, fica cada vez mais claro que esse princípio não se aplica a todos os lugares. No Brasil, por exemplo, a sociedade é que parece existir para servir ao Estado. A impressão que se tem é a de que as autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário sempre encontram uma maneira de tirar um pouco mais dos cidadãos e não estão nem aí para os efeitos das decisões que tomam em seu próprio benefício.
Isso mesmo. Uma demonstração eloquente nesse sentido é uma tentativa de acordo que vem evoluindo a passos acelerados na Câmara dos Deputados e que, teoricamente, se destina a atender a uma exigência do Supremo Tribunal Federal. A situação é a seguinte: em agosto de 2023, o STF, atendendo a uma solicitação do estado do Pará, determinou que a Câmara, para as eleições de 2026, redistribua o número de assentos no plenário levanto em conta a proporcionalidade da população de cada estado medida pelo Censo Demográfico de 2022. Isso acarretaria a alteração do número de representes de algumas bancadas. Algumas perderiam. Outras, ganhariam deputados. No final, a Casa permaneceria com os mesmos 513 parlamentares.
MODELO DA DITADURA
Antes de falar da nova configuração, convém tecer algumas considerações sobre o tamanho atual das bancadas. Ela segue os critérios enviesados de proporcionalidade impostos pelo governo militar no Pacote de Abril de 1977 — quando o general Ernesto Geisel, preocupado com o avanço eleitoral da oposição nos estados mais desenvolvidos, resolveu criar um mecanismo que garantisse na marra a maioria no parlamento do partido de sustentação do governo, a Arena. Além de criar os senadores biônicos, eleitos pela via indireta, impôs uma fórmula de preenchimento das 420 cadeiras que a Câmara tinha na época simplesmente reduzindo a representação dos estados do Sudeste, onde a tendência oposicionista era mais acentuada, e aumentando as bancadas dos pequenos estados — sempre mais fiéis ao governo de ocasião.
Por conveniência da maioria dos parlamentares (e não da sociedade brasileira), o modelo sobreviveu à redemocratização. E o número de deputados foi sendo ampliado até parar, já nos anos 1990, nos atuais 513 parlamentares. A distorção básica foi mantida e o voto dos eleitores dos estados menores permaneceu valendo muito mais do que o dos cidadãos dos estados maiores.
Numa conta básica, considerando-se o número de eleitores de cada unidade da Federação e o tamanho das bancadas na eleição passada, de 2022, enquanto foram necessários 366 mil paulistas e 205 mil fluminenses para formar o coeficiente para eleger um único deputado federal, esse número caiu para 54 mil eleitores no Amapá e apenas 37 mil em Roraima. Isso faz com que, numa conta rasa, o voto de um eleitor em Roraima valha dez vezes mais do que valeria em São Paulo. Uma democracia que zela pelo nome que carrega e leva ao pé da letra o princípio de que todos são iguais perante a lei, jamais permitiria uma distorção como essa.
A resposta a quem ousa apontar esse tipo de distorção deixa claro o populismo que orienta a política brasileira. Quem defende o modelo imposto pela Ditadura Militar atribui ao cálculo que dá mais peso aos estados de menor densidade populacional é reduzir as desigualdades regionais. Pura balela! Por definição, a Casa encarregada de defender os interesses das unidades da Federação é o Senado. Ali, cada estado e mais o Distrito Federal, independentemente do tamanho de sua população, conta com três representantes. À Câmara, a princípio, cabe representar o povo — e, para fazer isso direito, o voto de um eleitor do Rio de Janeiro deveria ter o mesmo peso de um eleitor do Acre, do Amapá, de Roraima ou dos outros estados beneficiados pela legislação.
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Por: Coluna do Nuno Vasconcelos (IG)
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