"Era obrigada a limpar duas casas no mesmo terreno e a comer somente as sobras de comida, depois que todo mundo já tivesse terminado."
Este é um dos trechos do depoimento de uma mulher que viveu, segundo a polícia, 9 meses em condição análoga à escravidão em uma casa no bairro Guanandi, em Campo Grande. Natural de Mateus Leme, em Minas Gerais, a mulher de 34 anos foi resgatada no dia 22 de março após fugir do local em que vivia com uma senhora de cerca de 80 anos, o neto dela e a esposa dele.
Em depoimento à polícia, a mulher disse que foi visitar uma antiga patroa da mãe em Mateus Leme no ano passado quando foi levada para Campo Grande. Essa ex-patroa, segundo a investigação, é filha da senhora que vivia na casa com a vítima em Campo Grande.
De acordo com a polícia, a vítima vivia em uma casa com o portão trancado e só saía com o neto. Além de comer sobras e ser maltratada, ela tinha que limpar as duas casas da propriedade sem receber nenhum centavo.
Fuga e ajuda em igreja
Há 9 dias, a mulher conseguiu escapar. Ela afirma que se perdeu, mas que conseguiu ajuda de um casal que a colocou no carro e a levou para uma igreja nas proximidades. No local, um policial militar que assistia a um culto levou a vítima para a Casa da Mulher Brasileira.
"A mulher estava com a chave do portão, então saiu pedindo ajuda na noite de domingo e se perdeu, porque não conhece nada aqui. E é neste momento que eu queria ressaltar a ajuda de um casal, que a encontrou perdida na rua, precisando de ajuda. E [eles] tiveram a coragem de colocá-la no carro. Depois, o PM a trouxe até a Casa da Mulher Brasileira e lá ela passou por todo o nosso atendimento psicológico", afirmou ao G1 a delegada Joilce Ramos.
"Ela disse que fazia 15 dias que estava aqui, ainda está sem noção do tempo. [Mas] Nós ligamos para a mãe dela, e ela nos contou que já fazia 9 meses que ela não tinha notícias da filha. No depoimento, a mulher conta que foi visitar uma antiga patroa da mãe e de lá foi trazida a força para Campo Grande", completou a delegada. Segundo a polícia, a mulher tem deficiência mental.
Contatos apagados de celular
Ao chegar na capital sul-mato-grossense, segundo a polícia, a mulher passou a conviver com a idosa, o neto e a esposa dele. Eles são, respectivamente, mãe, filho e nora da ex-patroa da mãe da vítima, que mora em Minas Gerais.
"A mulher disse que não teve opção, não teve escolha [sobre ser lavada para MS]. E conversando com a mãe dela, por telefone, [a gente] soube que a vítima foi passear na casa da ex-patroa da mãe, a qual ela trabalhou por quase 10 anos", disse a delegada Joilce.
Pouco tempo depois, algum familiar da ex-patroa apareceu na casa da mãe da vítima e, segundo a polícia, teria dito: "Olha, ela vai embora com a gente pra Campo Grande e eu vim buscar as roupas dela". A mãe disse que "ficou sem entender" e achou que a filha realmente estivesse querendo ir embora, por isso entregou as roupas dela.
"A partir daí, a mãe não teve mais nenhum contato [com a filha]. A mulher falou que, ao chegar aqui, a primeira coisa que fizeram foi apagar todos os contatos do celular dela. Ela vivia em uma casa com o portão trancado e só saía com o neto. Falou também que tinha que limpar as duas casas sem receber nenhum centavo, que não compravam roupas, nada, e ela só podia comer as sobras, além de ser xingada e maltratada", ressaltou.
Segundo a polícia, também existe a suspeita de que a mulher esteja grávida. "A mulher também está com a barriga grande, redonda, porém, ela negou abuso sexual e a delegada de Minas Gerais já a levou no médico para saber se está gestante ou não", afirmou a delegada Joilce.
Até o momento, a Polícia Civil conseguiu identificar nome das suspeitas, mas não o do neto. "Nós fizemos 3 diligências, uma delas com a vítima. Ela conseguiu lembrar o local onde fazia compras no mercado. Também me falou que a casa possui portão amarelo com lixeira de madeira. Eu fui até lá com o meu carro particular procurar essas características, porém, ainda não conseguimos identificar o local", completou.
Delegada custeou passagem para vítima
Após instaurar inquérito, a delegada disse que a mulher ressaltou o quanto queria ir embora e rever a mãe.
"A Casa da mulher Brasileira não tem setor específico para comprar passagens e, quando isso ocorre, geralmente é feita uma vaquinha. Nesse caso, uma passagem de avião iria demorar muito, por ser mais cara, e eu acho que ela não teria condição de ir embora de ônibus, então eu paguei e o caso já está com a polícia de lá também", finalizou.
G1
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