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"Não é bom amar exageradamente. Quando o outro não nos quer mais, a tristeza tem o mesmo tamanho do bem-querer perdido”. Falei e percebi que ele balançava a cabeça, concordando.
As lágrimas acompanhavam as lembranças. Emendei: “amar é bom durante, depois dói”.“É, Marina, você tem razão”, ele disse amuado. Frágil, estendia o celular para mostrar a foto feliz da última viagem, há menos de um mês, ambos abraçados entre jaquetas e gorros numa fria manhã portenha. Identifiquei a paisagem urbana, explodindo de cores e filetados, indaguei: “Caminito?” Ele emendou: “mi Buenos Aires querido... ah, ali fui imensamente feliz, ela também gostava de um bom bife com uma taça de Malbec”. “Sei”, disse, “mas agora as suas asas quebraram, não dá mais para voar junto com ela. Conte apenas com o seu sopro para cicatrizar a sua ferida”.
Ele, aguentando o tranco, secando o choro, aceitou: “certo. Você está certa. Estou mesmo cansado de tantas madrugadas de insônia, sufocado de dor, querendo quem não me quer. Solidão”. Ouvi e, na intenção de lancetar fundo, limpar completamente a ferida, pesei a mão: “sei bem como é que é, incompletude. Imprestável pião sem fieira, incapaz de girar. Lanterna sem pilha, incapaz de iluminar. Trastes jogados num canto qualquer.
A razão espremida, lutando contra as tentações. Tarefa pesada de viver, difícil”. Ele afundou na cadeira, as costas apertadas no encosto, um pouco pálido: “e tem jeito?” Era o que eu precisava, um pouco de autoindulgência. “Claro que sim”, afirmei mudando o tom de menor para maior, “o espírito vai servir de bússola, apontar novos horizontes e o tumor chamado abandono vai se curar com lucidez.
Deixe a areia da ampulheta escorrer e, no tempo dela, você vai entender aquela máxima de sabedoria que aplaina o relevo do teu sofrer”. “Máxima, qual?”, ele indagou mais recuperado, consciente. Em boa dicção, quase recitando, fechei: “não merece o doce quem não experimentou o salgado”.
Por: Voz da Bahia
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