SENZALA MODERNA - ALAGOAS SE TRANSFORMA EM EXPORTADOR DE MÃO DE OBRA ESCRAVA (GN - ALAGOAS)

De 2003 a 2017, mais de 1.400 alagoanos foram resgatados em outros estados em condições análogas à escravidão/G1


As correntes são invisíveis. Os açoites dão lugar ao medo e à intimidação. Mas, muitas vezes, ela surge disfarçada de oportunidade. Apesar de oficialmente extinta em 1888, a escravidão ainda é uma realidade para centenas de trabalhadores que são levados para fora do estado com a promessa de um emprego digno. Os órgãos de fiscalização apontam que, entre os anos de 2003 e 2017, mais de 1.400 alagoanos foram resgatados vivendo em condições análogas a de escravo contemporâneo em outras unidades da federação.


A prática é vedada pelo Código Penal e pode implicar em punições que vão de dois a oito anos, além do pagamento de multas e do acréscimo de pena por eventuais atos violentos. No entanto, a vulnerabilidade social e a falta de políticas públicas fazem com que aliciadores se aproveitem da situação e "exportem" grupos de trabalhadores, sobretudo para outros estados do Nordeste e para a região Norte.

O grande número de resgates fez com que Alagoas se tornasse o 10º maior exportador de mão de obra escrava do Brasil em números absolutos. Se considerada a proporcionalidade populacional, esse indicador é ainda mais expressivo, já que o estado é uma das menores unidades federativas do país.

Os locais que mais recebem os trabalhadores, segundo dados da Coordenação Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho, são Pernambuco, Maranhão, Bahia, Pará, Minas Gerais e Mato Grosso. Em comum, eles contam com grandes latifúndios, áreas de mata, distantes dos centros urbanos, o que possibilita que a exploração aconteça sem que as autoridades percebam.

A migração, comumente, acontece durante períodos de entressafra ou durante secas prolongadas. A necessidade de sustento da família faz com que os trabalhadores deixem suas casas e sigam em busca de oportunidades. Muitos sequer sabem o que vão encontrar no novo destino, mas acreditam nos chamados aliciadores, pessoas que fazem a intermediação entre quem explora e quem será explorado.

Isso não quer dizer, no entanto, que não haja registros de casos em Alagoas. Um levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), com base em dados do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM), revela o resgate de 770 trabalhadores no estado entre 2003 e 2017 - metade do número de exportados. Os casos foram registrados em Colônia Leopoldina, Penedo, Flexeiras, Rio Largo, Roteiro e União dos Palmares.

SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO NÃO EXISTEM

O conceito atual de escravidão vai muito além do conceito histórico. É considerada condição análoga a de escravo submeter alguém a trabalhos forçados ou jornada exaustiva, a condições degradantes ou restringir a locomoção por motivo de dívida contraída com o empregador.

"A escravidão é o uso e descarte de seres humanos. É a exploração abusiva em busca do lucro máximo. É uma superexploração: o trabalhador pode até ter vontades, mas não consegue realizá-las. Escravizar é tornar o ser humano uma coisa, um objeto, um animal de tração na produção de riquezas econômicas: o escravo perde o domínio sobre si, porque há outro que decide por ele", explica Tiago Cavalcanti, que é coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho.

E acrescenta: "Ela [a escravidão] se apresenta tanto por meio do cerceamento da liberdade de ir e vir, como pelas condições de trabalho completamente insatisfatórias e pelo fornecimento de mercadorias a custos elevados. Enfim, pela grave violação dos direitos humanos e fundamentais da pessoa trabalhadora".

O procurador Rodrigo Alencar, responsável pelo Núcleo de Combate ao Trabalho Escravo do MPT em Alagoas, ressalta que os flagrantes expõem uma realidade cruel, na qual os trabalhadores são expostos a situações extremas, sem nenhum tipo de proteção, colocando em risco a saúde.

"Os flagrantes revelam trabalhadores alojados em barracas de lona, sem água potável, sem a menor condição de trabalho. Geralmente é clandestino, não há um contrato de trabalho formalizado. As vítimas têm a negação total dos direitos trabalhistas. Não há qualquer amparo. A alimentação é da pior qualidade. Às vezes, eles bebem água no mesmo local que os animais", observa o procurador.

Além do trabalho degradante, o trabalho escravo contemporâneo pode incluir ameaças e castigos físicos.

ÓRGÃOS DE FISCALIZAÇÃO DEVOLVEM DIGNIDADE

Para romper com esse novo ciclo de escravidão, os órgãos de prevenção e de fiscalização contam com o apoio da população - que pode denunciar os abusos por meio do Disque 100 ou por meios eletrônicos. Depois de serem resgatados, os trabalhadores recebem amparo e participam de programas de reinserção no mercado oferecidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

É o caso do alagoano Geraldo José, natural de União dos Palmares, resgatado após cerca de 30 anos de trabalho escravo em plantações de cana-de-açúcar na região Norte. Após o resgate, ele participou de um programa de capacitação e se tornou pedreiro. Com o dinheiro conquistado na nova profissão, ele decidiu empreender e, atualmente, é dono de uma lan house com a mulher.

Confira mais informações AQUI.

Por: Eduardo Almeida e Pedro Ferro (Gazeta Web)

Nenhum comentário: